Série: Doctor Who
Episódio: Listen
Nº do episódio: 8x04
Data de
Exibição: 13/09/2014
Roteiro: Steven
Moffat
Direção: Douglas
Mackinnon
Terminei Listen sem ter muita certeza se foi um
bom episódio ou apenas um episódio mediano, feito com as características certas
para impressionar. Toda a experiência de assistir a Listen foi bem interessante, e senti na pele o clima de suspense
que Moffat criou, tanto na incerteza do monstro sob a cama, quanto na trilha
sonora pesada e tensa, mas eu só me senti emocionalmente conectada à história
ao final, porque a cena de Clara e o garoto foi pensada exclusivamente para
mexer com o fã.
Listen foi mais um dos episódios
aterrorizantes de Moffat, para fazer parceria com Blink, The Empty Child/The Doctor Dances e Silence in the Library/Forest of the Dead, porém, ao contrário dos
demais episódios, eu tenho a impressão que Listen
ficará marcado pela intromissão gigantesca de Clara na linha do tempo do Doctor
e não tanto pela qualidade narrativa da história. Confesso que não reassisti ao
episódio, então não tenho muita certeza do quanto o mistério e ‘frio na
barriga’ (e a qualidade da coisa como um todo) se sustenta diante de uma
segunda experiência.
O episódio
começa com um Doctor transtornado fazendo um monólogo sobre evolução, não
estarmos sozinhos, o perfeito ser capaz de se esconder de outros e por aí vai,
entrando em uma obsessão tentando descobrir o tal ser que vive a espiar os
demais seres do universo, nunca sendo encontrado. Não sei se entendi
corretamente a cena, mas o Doctor teve um desses famigerados sonhos com alguém
embaixo da cama e por isso entrou nessa súbita caça ao “monstro que ninguém vê
ou acredita na existência”, foi isso?
Bom, seja qual
for o motivo que o levou à obsessão, o fato é que o Doctor retirou Clara do seu
primeiro (e mal sucedido) encontro com Danny para ir à caça da tal criatura que
poderia ou não existir.
Aqui eu preciso
abrir um parêntese para falar de Clara e Danny. Que casal mais sem noção! Eles
simplesmente não têm química juntos. E Clara agiu tão mal com o colega que me
pergunto como ela pode ter tanto tato para lidar com crianças e ser tão
preconceituosa ao lidar com um adulto. Sim, porque a forma como falava com
Danny e sua experiência na guerra foi, no mínimo, vergonhosa. Ela não consegue
enxergar que ele claramente sofre de stress pós-traumático? (Cá entre nós eu
creio que o próprio Doctor tem sofrido do mesmo mal) E tenho até vergonha de
lembrar o quão ela foi infantil (e petulante) ao sair do restaurante daquele
jeito, quando a errada era ela.
Mas é claro que
o episódio tratou de consertar esse começo ruim entre os dois ao levar a TARDIS
para o passado de Danny, de forma que a garota conseguiu compreender um pouco
mais o colega.
E antes de falar
sobre a experiência de Clara e do Doctor no passado, abrirei um novo parêntese
para falar sobre a teoria do Doctor de que as pessoas não falam sozinhas, mas
sim com alguém que está ali escondido. Isso não faz muito sentido. Quero dizer,
ter sempre alguém por ali não é o problema da coisa toda (embora, admito,
quando ele começou a falar sobre uma criatura que ninguém percebe e não sabe
que está ali, eu pensei nos Silents), pois as pessoas falam sozinhas por vários
motivos: gostam do som da própria voz, organizam melhor os pensamentos em voz
alta, algumas têm esquizofrenia, as crianças têm seus amigos imaginários... Todo
esse discurso do Doctor me soou tão estranho e o desejo de impactar a audiência
com uma idéia assustadora ficou muito evidente.
Mas, de volta à
viagem, a interface telepática da TARDIS é coisa do Décimo Segundo, não? Foi
ele quem arrumou a nave para permitir esses agrados aos que normalmente não
saberiam como pilotá-la. Eu achei legal, mas tira um pouco toda a grandiosidade
que era apenas o Doctor saber pilotá-la (e River) e a dificuldade que ele tinha
para ensinar a outros. Mas a TARDIS continua levando o povo para onde ela quer
levar, ainda que a mente de Clara tenha ajudado um pouquinho na escolha.
As cenas no
passado de Danny foram as mais assustadoras e também as mais divertidas. Como
não rir com o Doctor perguntando ao vigia noturno se o café não desaparecia,
apenas para sumir logo em seguida levando o café do pobre homem? E depois
tentando achar Wally em um livro onde não tem o Wally?
De toda a
interação no quarto de Danny três coisas se destacaram:
1) Foi Clara (e
o Doctor, de certa forma) a responsável por Danny ingressar no exército;
2) O discurso do
Doctor sobre o medo ser um superpoder (e fez todo o sentido);
3) A criatura
embaixo da colcha. Eu tenho quase certeza de que era uma criança, pois a tal
criatura que é perfeito na arte de se esconder não apareceria assim de repente,
sentaria na cama (e faria um peso perceptível) e ainda seria visível sob a
colcha. Por outro lado, o Doctor estava sentado naquela cadeira no canto do
quarto quando a tal criatura apareceu. Ainda que estivesse escuro ele teria
percebido se fosse uma criança, não? Ou agiu daquela forma para dar coragem a
Danny e também para não desmascarar o amigo que estava pregando uma peça?
(nunca dá para ter certeza com o Doctor, em especial este aqui)
Já a segunda
interação de Clara com Danny, pós-visita ao passado, foi um pouco melhor da
parte dela, mas em contrapartida a reação dele ao perceber que ela sabia o
verdadeiro nome dele foi meio exagerada. E mais exagerado ainda foi Orson
aparecendo em pleno restaurante vestido com a roupa de astronauta, com
escafandro e tudo.
Não gostei de
toda esta conexão de Clara com Orson. Não é apenas por ele ser um descendente
dela e de Danny – spoilers! – mas toda a história dele, a confusão de Clara, a
recusa em falar ao Doctor toda a situação, e, principalmente, a viagem para o
fim dos tempos. Achei tão desnecessária. Sem falar que deixa uma certa confusão
em relação a Utopia, quando o Décimo Doctor viajou para o fim do universo. Este
planeta é outro, depois da destruição que houve em Utopia? Não sei se é um erro
de continuidade, se Moffat simplesmente ignorou a trinca de episódios da era
Davies e nem pensou no planeta de Utopia, ou se é possível a coexistência
pacífica entre os dois planetas: um habitado e morrendo e outro ainda inteiro,
mas já sem qualquer forma de vida no universo em si.
Toda a confusão
neste planeta, os sons, o medo, o possível inimigo, ganha uma nova perspectiva
após a visita da TARDIS ao próximo local. Nada menos que Gallifrey –
possivelmente a Casa de Lungbarrow.
Como a TARDIS
conseguiu ir a Gallifrey, que supostamente está em uma bolha temporal, eu não
sei, mas imagino que em algum momento da temporada isso será explicado (ou foi
um grande furo de roteiro, o que também é possível. Mas nesse caso, após todo
mundo se perguntar o óbvio, acredito que Moffat dará um jeito de criar uma
explicação, mesmo que tenha que tirar um coelho da cartola, como tem feito de
quando em vez ao longo das temporadas).
E se antes o
episódio estava interessante e assustador (pelo menos na primeira vez que se
assiste), em Gallifrey ele se tornou belo e reconfortante. Tivemos o prazer de
revisitar a infância do Doctor (óbvio que era o Doctor, afinal, era o mesmo
celeiro que o War Doctor escolheu para por fim à Guerra do Tempo) e
descobrirmos que ele já foi um garotinho assustado, o qual ninguém acreditava
que seria capaz de ingressar (e permanecer) na Academia e se tornar um Time
Lord, e, por isso, estava destinado a ingressar no Exército.
A cena em que
Clara segura o tornozelo do garoto, saída debaixo da cama, criando assim um
medo que se posterga no tempo e no espaço já há mais de 2000 anos (como o medo
dele passou para outros eu não sei), foi surpreendentemente bonita e se encaixou
muito bem na história. Clara tem inúmeros defeitos – o maior deles é ser tão
vazia de personalidade e carente de desenvolvimento real – mas se tem uma
qualidade que persiste ao longo dos episódios é sua capacidade de falar com
crianças e compreendê-las. E, assim como influenciou o jovem Rupert Pink, foi
Clara a responsável por toda a filosofia de vida do Doctor.
“Escute. Isto é só um sonho. Mas pessoas muito inteligentes podem ouvir sonhos. Então, por favor, apenas escute. Sei que você está com medo, mas tudo bem sentir medo. Nunca te disseram? Medo é um superpoder. O medo pode te fazer mais veloz, inteligente e forte. E um dia você irá voltar para este celeiro e naquele dia você estará com muito medo. Mas tudo bem. Porque, se você é muito sábio e muito forte, o medo não tem que fazê-lo cruel ou covarde. O medo pode fazê-lo gentil.
...
Não importa se não há algo embaixo da cama, ou no escuro, desde que você saiba que está tudo bem sentir medo. Então escute. Se não escutar mais nada, pelo menos escute isso. Você sempre terá medo, mesmo que aprenda a esconder o medo é como um companheiro, um companheiro constante, que está sempre ali. Mas tudo bem, porque o medo pode nos aproximar, o medo pode levá-lo para casa. Vou deixar uma coisa para você para que sempre possa lembrar: o medo faz companhia a todos nós. ”
Foi muito legal
ouvir as palavras do próprio Doctor saindo da boca de Clara. E ao deixar o
pequeno soldado sem arma que um dia pertenceu a Danny Pink, ela deu ao pequeno
Doctor a inspiração para a pessoa que ele seria dali para frente e que mudaria
os rumos do universo e da própria vida dela.
A cena foi linda
– o abraço que ela depois dá no Doctor já dentro da TARDIS também foi especial
– mas ainda assim é um pouco incômodo ver o quanto Moffat transformou Clara em
alguém essencial na vida do Doctor. Ela era a garota impossível e que esteve
presente em toda a timeline do Time Lord, influenciando-o e corrigindo os erros
introduzidos pela Grande Inteligência, e agora ela mesclou-se na timeline do
Doctor de tal forma que se tornou a responsável por toda a existência dele como
nós a conhecemos, ou seja, mais do que a garota impossível, ela se tornou o
pilar de toda a série. Para uma personagem que sofre de falta de caracterização
e que vem sendo tratada como um plot twist desde o início, esse tipo de coisa,
embora bonita e emocionante, não é saudável. Sem falar que Clara transita
perigosamente no limiar de se tornar uma Mary Sue, ou seja, uma personagem que,
de tão perfeita, torna-se irritante e irreal.
Agora resta-nos
saber qual o papel de Danny no futuro de Clara. Porque os dois se acertaram
(apesar da química zero entre eles) e os boatos dizem que Jenna Louise Coleman
deixa a série no final da temporada. É quase certo que Danny terá algum
envolvimento no motivo da saída de Clara. E eu fico me remoendo para saber como
ele se tornará um viajante da TARDIS também.
E só para
finalizar... eu perdi ou realmente não teve nenhuma referência à Terra
Prometida neste episódio?
***
Este texto foi publicado também no site Teleséries.
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