sexta-feira, 21 de março de 2014

Veronica Mars - Revendo a série para me deleitar com o filme.



Algumas séries marcam os fãs para a vida. Veronica Mars é uma dessas. Durou apenas três temporadas e terminou bruscamente, forçando os fãs a preencherem por si só as lacunas do futuro das personagens. Mas Rob Thomas, o criador, nunca desistiu da menina dos seus olhos. Tampouco Kristen Bell, a mais fervorosa fã de Veronica Mars. E é por isso que após sete (longos) anos fomos presenteados com um filme em um feito até então inédito: os fãs doaram mais de 5 milhões por meio do kickstarter (em um tempo record), possibilitando assim que o filme finalmente se tornasse realidade.

Menos de um ano após o sucesso do kickstarter o filme chegou aos cinemas e à mídia digital. E não há a menor dúvida em cada cena que víamos de que todos se empenharam em fazer uma declaração de amor à Veronica Mars e aos seus fãs.

Eu, particularmente, resolvi fazer maratona da série para poder me preparar. Tudo bem, comecei meio tarde (na semana que o filme seria lançado) e tive que fazer 'das tripas coração' para conseguir reassistir a todos os episódios. Foram oito dias puxados, mas finalizei os 64 episódios com a mesma emoção de quando assisti pela primeira vez. Que série deliciosa!


"Eu saí quando tinha 19 anos deixando um rastro de destruição. Mas eu cresci. Aquela era a 'antiga eu'. Brava, vingativa. A nova eu? As pessoas dizem que eu sou um marshmallow".

Veronica Mars, a série, termina deixando os fãs com aquela sensação de vazio. Nada foi concluído e os fãs precisaram preencher as lacunas das personagens por si só. Logan e Veronica separados, sabe-se lá se com alguma chance de recomeço. A vida sexual de Veronica exposta a qualquer um que tivesse acesso à internet e Keith Mars vendo a sua chance de voltar a ser Delegado ruindo como um castelo de cartas (nunca irei me acostumar com esse sistema de eleição para cargos públicos que não o legislativo e executivo).

O filme começa situando aos novos fãs sobre quem foi Veronica Mars no passado e deixa claro quem é ela no presente. Após o fiasco do 1° ano em Hearst, Veronica finalmente deixa Neptude para trás e vai para Stanford estudar psicologia e depois Direito. Uma guinada total nas suas pretenções, em um tentativa clara de deixar para trás tudo o que ela foi um dia.

Uma coisa interessante sobre Veronica é que ela sempre foi viciada na emoção que a profissão de detetive lhe proporcionava. Quando adolescente poucas vezes titubeou diante de uma decisão que fosse moralmente duvidosa se isso a levasse a alcançar o objetivo que pretendia. Não havia local que Veronica não arrombasse, segredo que não descobrisse e intimidade que estivesse segura quando ela estava envolvida. Não é a toa que tenha se apaixonado de forma tão intensa por Logan, já que ele tinha uma personalidade tão vibrante e adepta ao perigo quanto ela. E por mais que se amassem e fossem o pilar um do outro, os dois se auto destruíam sempre que estavam juntos.

É compreensível que Keith quisesse ver a filha o mais longe de Neptune possível. Aquele lugar instigava em Veronica um estilo de vida que o pai não conseguia aceitar de verdade para ela. Talvez porque ele visse em Veronica um reflexo dele mesmo. Um homem inteligente e inquieto, que não suportava ficar parado enquanto as coisas aconteciam, mesmo que isso significasse a destruição de tudo o que ele tinha como certo em sua vida: a profissão, o casamento, o bom nome. 

Keith enxergava em Veronica exatamente os mesmos traços da sua personalidade. A garota mentia e enganava quase como uma segunda natureza, e não tinha o menor escrúpulo em fazer cair quem quer que fosse em nome da justiça (ou da vingança, algumas vezes). E isso a levou a perder muita coisa ao longo do caminho e quase a si mesma. Por isso Keith se esforçou tanto para levar a filha para longe, proporcionar um outro futuro que não a mesma vida que ele levava e na qual ela se espelhava.

Stanford, o Direito, o conceituado escritório de advocacia em Nova Iorque eram claramente a expressão do que Keith considerava o melhor futuro para a filha. E ela tentou com todas as suas forças fazer funcionar, principalmente porque já tinha visto ruir tudo à sua volta em Neptune. Mas o que realmente importa aqui, é que o papel de advogada bem sucedida nunca foi talhado para Veronica. Um relacionamento tranquilo com Piz - a quem eu adoro, só para constar - jamais seria capaz de satisfazê-la de verdade. Claro que ela o amava (e quem não amaria Piz!?), mas pouco mais do que alguém ama um grande amigo. Ele simplesmente era a melhor escolha para aquela vida que ela tinha decidido levar: um cara legal, um relacionamento sem altos e baixos, um emprego de classe e que usaria a sua mente afiada.

Mas todos os sinais de que ela não era feliz estavam estampados para quem quisesse ver, tanto que bastou um único telefonema de Logan para que Veronica abandonasse tudo e voltasse para Neptune. Tudo bem, ele estava sendo acusado de assassinato (de novo!), mas ela não precisava realmente voltar, precisava? Claro que não! Veronica voltou porque no fundo ela ansiava a sua antiga vida de volta, tanto quanto ansiava rever Logan.

Rob Thomas disse que sua intenção era fazer um filme voltado para a investigação do crime - assim como eram os episódios da série - mas que não havia como fazer isso neste filme em particular, pois este é um presente para os fãs e ele queria que todo mundo pudesse reconhecer as pessoas, as situações, deixar 'o povo em casa'.

E realmente quase todo mundo está ali: Veronica (claro!), Keith Mars, Logan, Dick, Mac, Wallace (de quem eu senti bastante falta na última temporada da série. Ele apareceu bem pouco), Weevil, Piz (que poderia ter aparecido um pouquinho mais, eu não me importaria), Leo (ótima surpresa! Cena muito legal dos dois juntos), Sacks (que não mereceu o destino que lhe deram), Vinnie Van Lowe (ele não ganhou como Delegado na eleição que concorreu com Mars? Ou durou tão pouco assim no cargo?), Cliff, Gia, Madison, Celeste Kane e até mesmo Mr. Clemmons.

Pode parecer um pouco estranho que Veronica tenha lutado tanto para sair de Neptune, fugir de si mesma e da vida que levava para terminar exatamente como começou. A primeira vista parece apenas que ela andou, andou, andou e não saiu do lugar. Eu mesma fiquei um pouco incomodada por ela ter chegado tão longe e voltado como se nada tivesse acontecido. Quero dizer, ele já era uma detetive licenciada aos 19 anos e voltar ao mesmo ponto após fazer Psicologia e Direito foi quase como jogar no lixo 9 anos de sua vida. Claro que ela acabará por usar as duas graduações na sua profissão, mas não era realmente necessário para o seu futuro profissional. Por que não continuar em Nova Iorque? Por que abandonou a ideia de ir ao FBI? Tudo faria muito mais sentido se outros fossem os rumos de sua vida.

Terminei o filme um pouco irritada por conta disso. Preferia que ela nunca tivesse abandonado a investigação, senti-me traída. Mas a minha indignação se abrandou um pouco quando percebi (e li um milhão de comentários aqui e ali sobre o assunto, o que me ajudou a compreender melhor as decisões de Veronica) que tudo o que Veronica fez ao longo desses 9 anos longe foi justamente para tentar enterrar a pessoa que ela um dia foi, porque no fundo envergonhava-se por sentir tanto prazer no que fazia (mentir, enganar, passar por cima dos sentimentos dos outros). Sim, ela sempre sonhou em largar Neptune, mas no fundo queria continuar com a mesma vida que levava ali, só que em outro lugar. O problema é que  ver o resultado do que ela fazia refletindo nas pessoas que ela amava (culminando na destruição da última oportunidade que o pai tinha de voltar ao cargo de Delegado), acabou por ser fundamental em sua decisão de enterrar o que ela realmente ansiava. E por isso o que para muitos seria considerado um avanço (Psicologia, Direito, escritório de advocacia de renome), para ela era na verdade uma fuga do que realmente a fazia feliz, quase uma punição. E isso fica bem claro quando ela diz ao final que precisa de coragem para mudar o que pode, mesmo que isso signifique desapontar a única pessoa que ela não suporta desapontar.

Para Keith não foi fácil aceitar que ela tenha escolhido voltar e ficar em Neptune. Como todo pai, ele queria o melhor para a filha e seguir os seus passos, inclusive caindo nos mesmos erros não era o melhor na visão dele. Mas quando ele vê as reportagens na tv falando do crime que ela elucidou (mais uma vez), não há como não perceber que ele acatou a decisão da filha e, mais importante, entendeu. Veronica estivera fugindo, e, assim como acontecia com ele, Neptune, a investigação, a adrenalina, a vida tortuosa de uma detetive particular eram o que a faziam feliz e completa. Eu creio que naquele momento Keith não apenas entendeu e aceitou a decisão da filha, como entendeu e aceitou a si mesmo e à sua personalidade, afinal, Keith sempre foi o modelo de Veronica e não por acaso. Os dois são iguais.

De resto, o caso.

Logan foi acusado do assassinato da namorada e ligou para Veronica pedindo ajuda. Curioso que, após 9 anos de silêncio, ela ainda o mantivesse registrado no seu celular e com a mesma foto de quando era adolescente.

Claro que Veronica, sendo quem ela é, não conseguiu resistir e correu para Neptune. E lá, entre reencontro com os antigos amigos - ótimo rever Mac e Wallace - e experiências nada agradáveis na festa de 10 anos de graduados de Neptune Hight - entre tantos, tinha que ser Madison a anfitriã - ela cavocou até descobrir quem realmente matou Carrie (gostei dela ter escolhido inadvertidamente a frequência de uma nova emissora de rádio. No final das contas, a sorte trabalhou a seu favor).

E por falar em Carrie, eu teria preferido que Rob tivesse escolhido outra personagem para ser a namorada assassinada de Logan. Carrie Bishop foi colega de classe de Veronica e era interpretada na série por Leighton Meester. Como não conseguiram trazer Meester de volta (algo a ver com conflito de agenda e tal), escalaram a cantora Andrea Estella para o papel. Para mim isso não funcionou por dois motivos: 1) usaram o mínimo possível da personagem (creio que tinham maiores planos para ela se Meester tivesse participado); 2) não houve identificação imeditada com quem era Carrie na série. Eu mesma tive que pesquisar a personagem e só ao ver o nome de Leighton Meester é que lembrei quem era Carrie Bishop. Para mim teria funcionado melhor se tivessem usado alguma outra personagem, mesmo que desconhecida para nós.

O crime em si foi apenas pano de fundo no filme. O que importava eram os reencontros e a reflexão do que estava acontecendo na vida de todos eles, e, mais do que tudo, vermos como o relacionamento especial entre Veronica e Keith continua o mesmo. Acho fantástica a cumplicidade entre esses dois e foi ótimo ver o quanto ela amadureceu e aprendeu a se abrir para o pai, apesar de todos os pesares.

Também achei muito legal que mesmo após tanto tempo Logan e Dick continuavam grandes amigos. Não é interessante que Dick, mesmo sendo aquele ser totalmente sem noção, sempre tenha sido um amigo leal? Foi particularmente especial ver Wallace como professor e Veronica continuar 'abusando' de seus privilégios de amiga. E quem não se encantou com Mac toda envergonhada por ter aceitado um cargo - que paga muito, muito bem - na Kane Software?

Outro que gostei demais de rever foi Leo. Sempre tive uma paixão por Leo e nunca me conformei muito bem com o término da relação dele com Veronica. Fiquei muito feliz na série quando Keith o traz de volta à polícia no final da 3ª temporada. E foi com muito carinho que eu o vi ainda na força policial depois de todos aqueles anos. Assim como Sacks. Se teve um policial que sempre esteve presente foi Sacks e, mesmo sendo um personagem bem secundário eu sempre gostei muitíssimo dele. Fiquei de coração partido com a sua morte no filme.

Mas a maior dor foi o destino de Weevil. Enquanto Veronica fugiu de quem era por 9 anos e voltou às suas raízes por perceber que ali estava a sua felicidade, Weevil sempre foi um cara legal que fora obrigado a experimentar coisas que no fundo não o faziam feliz. Ele finalmente encontrou o seu espaço, casou com uma mulher linda, tinha uma filha adorável, um negócio próprio, uma vida respeitável e foi obrigado a voltar ao exato ponto do qual tanto lutou para sair, não por ser ali a sua felicidade, mas porque as circunstâncias o obrigaram. Como doeu em mim vê-lo montando naquela moto ao final, sabendo que foram as artimanhas de uma polícia corrupta que o empurrou de volta a uma vida que ele batalhou com unhas e dentes para abandonar. Trágico e não merecido.

Por outro lado, tivemos Logan, que foi a personagem que mais amadureceu, na minha opinião. Continuou sendo ele mesmo, sempre pronto a perder a calma quando o assunto era defender alguém com quem se importava - no caso, Veronica - mas ainda assim com uma outra atitude diante da vida. Foi uma surpresa vê-lo na Marinha, mas uma surpresa adorável e que faz muito sentido. Logan sofreu durante toda a sua infância e adolescência, tinha uma raiva muito grande dentro de si, perdeu a mãe, a namorada, o pai. Tudo o que tocava parecia apodrecer e fazê-lo sofrer, então a raiva que ele tinha dentro de si era muito grande, e a rebeldia era o maior traço da sua personalidade. Por isso foi tão legal vê-lo na Marinha, o que, com certeza, o ajudou a centrar, arrumar foco, descontar essa raiva interna em algo que fosse produtivo. E isso o mudou como pessoa, fez com que amadurecesse e se tornasse alguém muito mais confiável. Nunca deixará de ser a pessoa que é, mas agora ele encontrou o seu ponto de equilíbrio e talvez por isso o relacionamento com Veronica finalmente poderá dar certo. Os dois encontraram a si mesmos e aceitaram quem são. A paixão vibrante que ambos tem pelo perigo ainda existe, mas está mais focada, melhor canalizada e por isso mesmo agora os dois fucionarão juntos. 

Claro que ele ficar fora por 180 dias de quando em quando também ajuda. Amor épico é muito bom, mas em doses homeopáticas é muito melhor. E foi deles a cena mais linda do filme ao se despedirem.

"Come back to me"
"Always"


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PS: Texto publicado originalmente no site Teleséries.  

Um comentário:

nill disse...

resenha perfeita

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