sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Livro: Precisamos Falar sobre o Kevin

Sinopse: Para falar de Kevin Khatchadourian, 16 anos – o autor de uma chacina que liquidou sete colegas, uma professora e um servente no ginásio de um bom colégio dos subúrbios de Nova York – Lionel Shriver não apresenta mais uma história de crime, castigo e pesadelos americanos. Arquitetou um romance epistolar onde Eva, a mãe do assassino, escreve cartas ao pai ausente. Nelas, ao procurar porquês, constrói uma meditação sobre a maldade e discute um tabu: a ambivalência de certas mulheres diante da maternidade e sua influência e responsabilidade na criação de um pequeno monstro.

Livro: Precisamos Falar sobre o Kevin
Autora: Lionel Shriver
Tradução: Beth Vieira e Vera Ribeiro
Editora: Intrínseca
Páginas: 463

Eu tomei conhecimento de Precisamos Falar sobre o Kevin no final do ano passado, durante algum meme literário. Fiquei tão fascinada pela resenha da garota que não consegui resistir e fui imediatamente à livraria comprar o meu exemplar, mas só comecei a ler no final de janeiro deste ano, quando surgiu um tempinho.

Logo depois de começar a leitura, o filme (com a fantástica Tilda Swinton) entrou em cartaz e eu não resisti e fui vê-lo. Fiquei com um pouco de medo que o filme acabasse por tirar o meu prazer na leitura, mas não foi o que aconteceu. O filme é ótimo e é maravilhoso ter uma imagem para encaixar no Kevin (Ezra Miller e Jasper Newell me deixaram sem palavras com a qualidade que impingiram ao personagem), mas nem de longe é tão bom quanto o livro.

Posso afirmar, sem sombra de dúvidas, de que Precisamos Falar sobre o Kevin é um dos melhores livros que eu já li. Não apenas o tema é instigante, como a escrita da autora é eficaz. Não tem sobras cansativas e tampouco trechos apavorados para terminar. Tudo está redondinho, na medida certa. E os personagens....é até difícil falar sobre eles, porque Shriver faz o leitor imergir no mundo de Eva Khatchadourian e não há como ser espectador indiferente. As palavras de Eva penetram além da superfície confortável do leitor.

Eu me senti bastante próxima dos personagens e me identifiquei muitíssimo com Eva. Ela não é perfeita, longe disso, e é consumida pela culpa, mas haverá realmente um culpado nesta história? Além, é claro, de Kevin?

Mas mesmo Kevin, até onde vai a sua culpa? Como odiar um garoto que nunca soube sentir, que sempre olhou o mundo com estranheza, que rejeitou a mãe desde o nascimento e mesmo assim somente com ela sentia-se confortável o suficiente para ser ele mesmo? Um garoto que desde antes de aprender a engatinhar já vivia de enganar as pessoas à sua volta, fingindo uma humanidade que não tinha e uma normalidade que nunca fez parte dele?

Ainda assim, Kevin foi um mostro desde o momento que saiu da segurança do útero materno e conheceu este mundo. Atormentou a mãe em cada dia de sua vida, fez questão de destilar a sua maldade em cada situação, destruindo tudo em que tocava, em especial a felicidade da mãe. Enquanto isso, o pai o via como o seu sonho realizado, o seu ‘garotão’, incapaz de enxergar a verdadeira personalidade do filho, enganado pela fachada de amizade e interesse que Kevin exibia para o pai.

Eva, por outro lado, reconheceu o caráter apodrecido do filho desde que colocou os olhos no bebê pela primeira vez. O que enxergava em Kevin? A maldade que viria a presenciar no resto de seus dias, ou um reflexo dela mesma, da sua insensibilidade, da sua falta de instinto materno, da percepção clara de que fez um erro ao decidir colocar uma criança no mundo?

É o que eu mais gosto no livro. Esta dualidade, a incapacidade de tomarmos posições. É correto culpar a mãe pelo crime que o filho cometeu? Talvez Eva não tenha sido a mãe mais amorosa e receptiva, mas com certeza foi competente e eficiente. Largou a carreira, a vida, os sonhos, a casa que amava, o seu próprio eu para cuidar daquela criança que nem sequer amava e que sempre a olhava com olhares desconfiados e raivosos. Tudo bem, ela era mecânica em suas demonstrações de amor, mas nunca deixou que nada faltasse ao filho, cuidando pessoalmente para que fosse bem criado.

Mas seria Kevin o monstro que era se tivesse sido criado por uma mãe amorosa? Por uma mãe que não se encolhesse ao ver o filho rejeitando o seio já na maternidade, que não se distanciasse emocionalmente do filho por medo, egoísmo e, sim, até ciúmes? Até onde a personalidade de Kevin era fruto do meio e não inerente à pessoa dele?

Precisamos Falar sobre o Kevin foi um livro que me fascinou. Mexeu com a minha forma de ver as coisas e analisar o núcleo familiar. Chegava a ser assustador como eu compreendia algumas atitudes e pensamentos de Eva, ao mesmo em tempo que não conseguia entender como alguém poderia ser tão centrada em si mesma e ainda assim tão medrosa de tomar as rédeas da própria vida.

O mais engraçado é que em nenhum momento a capacidade de Franklin como pai durante a criação de Kevin foi questionada. Somente por Eva, que destrinchou cada minuto da relação daquela família nas cartas que escrevia para Franklin. E ainda assim eram questionamentos embebidos no amor que ela sentia por ele.

Já faz alguns dias que terminei a leitura, e ainda tenho comigo bem forte as sensações que ele me trouxe. E tem sido bem difícil iniciar outra leitura, quando o seu referencial imediatamente anterior é de uma qualidade assombrosa. Qualquer outra coisa parece comum e repetitiva.

Precisamos Falar sobre o Kevin é um livro para lembrar por toda a vida. É uma experiência que, com certeza, não se repetirá tão cedo.

Um comentário:

Vanessa Ebeling disse...

Olá! Sou psicóloga, estou redigindo um artigo sobre o tema do livro " Precisamos falar sobre Kevin" e me deparei com o teu depoimento. Achei excelente e muito bem escrito teu ponto de vista!

Abraço
Vanessa Ebeling
www.vanessaebeling.com.br

Postar um comentário